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Hábitos de leitura
PublishNews, Gustavo Martins de Almeida, 21/05/2025
Seja qual for o e do livro, o exemplo doméstico é fundamental para desenvolver o costume

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Luz roxa: país tem necessidade de criar hábitos de leitura | © Tomaz Silva/Agência Brasil
Luz roxa: país tem necessidade de criar hábitos de leitura | © Tomaz Silva/Agência Brasil

A notícia de que um terço da população do Brasil praticamente se insere no analfabetismo funcional, embora infelizmente pouco surpreendente, acende luz roxa para o futuro cultural do país.

Assisti debate internacional sobre o mercado do audiolivro, na semana ada, com ótima mesa de Talita Fachini (editora-assistente do PublishNews), no qual o craque Carlo Carrenho apresentou, dentre vários outros, dados de leitura da França e do Japão.

É de chorar, muito, o contraste com o Brasil. Não só no presente, mas pelo futuro que essa situação promete. Como ampliar o número de leitores, para que, aí sim, aumente a venda de livros? O crescimento vertical da venda de livros para leitores já formados esbarra num limite de tempo e disponibilidade; já o crescimento horizontal do número de leitores, de modo a aumentar significativamente a venda de obras, é um enorme desafio.

O hábito de leitura começa em casa, e parcela significativa da sociedade adulta brasileira, hoje, por força da economia da atenção, acaba sendo atraída pelos cômodos produtos audiovisuais (filmes, games, novelas, etc.), bem como pelas publicações “dominó” em redes sociais, permeadas pela evasão de privacidade, imediatismo, e ânsia por uma pretensa notoriedade. O consumo da vida alheia inebria consideráveis grupos sociais, que gostam de conversa fácil e superficial e adoram a evasão de sua privacidade. No meio digital, esse grupo encontra interlocutores fáceis e variados, durante longo tempo.

Produz-se um oceano de cultura com um palmo de fundura, como disse o advogado Gustavo Sampaio, em palestra recente.

Frequento livrarias em qualquer canto que vou, em qualquer estado ou país, uma riqueza, uma alegria, um momento de descoberta. Mas, e quem ainda não lê, como atrair a sua atenção para os livros? Praticamente não há atrativo! No BBB – o que seria uma oportunidade pragmática de formar leitores, tipo Cavalo de Troia – nunca houve uma estante de livros, nenhuma atividade de leitura no cotidiano de grande audiência desse “programa”. Nas novelas, não vejo um protagonista com o papel de leitor compulsivo. A sensacional Bienal do Livro Rio – vem agora em junho – é um clarão na escuridão.

Há iniciativas esparsas e valorosas. O projeto Janelinha, da querida e docemente ousada Livraria Janela, do Jardim Botânico, no Rio de Janeiro, atrai crianças para programa de estímulo à leitura, com encontros aos sábados, para não prejudicar horário escolar. Marcos Gasparian, da Livraria Argumento, honra a tradição bibliófila da família e distribui livros em comunidades do Rio, alcançando resultados surpreendentes de adesão ao mundo da leitura por menores de baixa renda e condições de vida dificílimas.

Num país continental como o nosso convivem o sofisticado ouvinte de audiolivros, com voz artificial e regulagem da entonação da narrativa, com a grande parcela de cidadãos sem interesse – nem oportunidade – na leitura, e que ainda não descobriu os prazeres e benefícios desse hábito, a forma mais fácil de transmissão de conhecimento. Ressalve-se que há minoria ávida, que deseja progredir socialmente pelo estudo.

O mercado de audiolivros cresce vertiginosamente no mundo. Turbinada pela inteligência artificial a voz faz milagres – no último artigo que escrevi no PublishNews, o tema era a Voz do saudoso Papa Francisco – e prenuncia nova época de pregações religiosas, também.

Seja qual for o e do livro, o exemplo doméstico é fundamental para desenvolver o hábito de leitura infantil. Mas começa com os pais, que devem dar o exemplo, dedicando pequena parcela do seu tempo – escassíssimo, devido a múltiplos afazeres e muitas vezes sobrevivência – ao desenvolvimento do costume de ler em casa.

A Constituição estipula que é dever (art.23) da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios "proporcionar os meios de o à cultura, à educação, à ciência, à tecnologia, à pesquisa e à inovação" e, no art. 215, diz que o Estado garantirá a todos o pleno exercício dos direitos culturais e o às fontes da cultura nacional, e apoiará e incentivará a valorização e a difusão das manifestações culturais. Mas que condições o governo oferece, com cortes de verbas para universidades e nível baixíssimo de remuneração de professores?

As heroicas editoras e livrarias brasileiras procuram oferecer seu melhor a um público proporcionalmente diminuto, que muitas vezes é forçado a colocar o livro atrás da alimentação, saúde, moradia, finanças e educação na hierarquia do orçamento, das preferências e do lazer.

Funcionaria a homeopatia social? Pequenas doses de leitura representadas por protagonistas de novelas e séries, recitando trechos de obras, citando escritores, usando diálogos de clássicos. Como destinar para a leitura uma fatia da economia da atenção?

Vejo, na Alemanha, a Rede Apoena (https://redeapoena.org/), iniciativa que congrega significativo número de pesquisadores brasileiros de altíssimo nível estudando naquele país.

O Brasil recebe bem as novas tecnologias (Pix, por exemplo) e o audiolivro pode ser uma alternativa para a leitura/escuta de livros. Espera-se também que o modismo de BookTok e influencers literários chegue ao mercado brasileiro, no qual desponta o Bookster (https://www.instagram.com/bookster/).

Esperança, que vem do latim spes, esperar; é pouco, muito pouco. É preciso ação, movimentos para criar e desenvolver o hábito de leitura, um grande desafio. Iniciativas, como as já mencionadas aqui, são a esperança em movimento.

Gustavo Martins de Almeida é carioca, advogado e professor. Tem pós-doutorado pela USP. Atua na área cível e de direito autoral. É também advogado do Sindicato Nacional dos Editores de Livros (SNEL) e conselheiro do MAM-RIO. Em sua coluna, Gustavo Martins de Almeida aborda os reflexos jurídicos das novas formas e hábitos de transmissão de informações e de conhecimento. De forma coloquial, pretende esclarecer o mercado editorial acerca dos direitos que o afetam e expor a repercussão decorrente das sucessivas e relevantes inovações tecnológicas e de comportamento. Seu e-mail é [email protected].

** Os textos trazidos nessa coluna não refletem, necessariamente, a opinião do PublishNews.

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