Índice de alfabetizados em nível proficiente segue o mesmo no Brasil há 23 anos
PublishNews, Redação, 06/05/2025
Novos dados do Indicador de Alfabetismo Funcional (Inaf) trazem um número estarrecedor, mas não supreendente: ​29% dos brasileiros com idade entre 15 e 64 anos são analfabetos funcionais

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'Topo não muda': há 23 anos, índice de proficiência segue o mesmo | © Geovana Albuquerque/Agência Brasília
'Topo não muda': há 23 anos, índice de proficiência segue o mesmo | © Geovana Albuquerque/Agência Brasília

Os dados do Indicador de Alfabetismo Funcional (Inaf), divulgados nesta segunda-feira (5), trazem um número estarrecedor, mas não supreendente: 29% dos brasileiros com idade entre 15 e 64 anos são analfabetos funcionais, ou seja, não sabem ler e escrever ou sabem muito pouco, a ponto de não conseguir compreender pequenas frases ou identificar números de telefones ou preços. Este é o mesmo percentual da última pesquisa, realizada em 2018.

Entre os jovens, o analfabetismo funcional aumentou. Em 2018, 14% das pessoas entre 15 e 29 anos estavam na condição de analfabetos funcionais; em 2024, o índice subiu para 16%. Segundo os pesquisadores responsáveis pelo estudo, o aumento pode ter ocorrido por causa da pandemia, período em que as escolas fecharam e muitos jovens ficaram sem aulas.

A proporção de alfabetizados em nível proficiente – o maior da pesquisa – permanece inalterada desde o início da série histórica, em 2002, oscilando em torno de 12%.

Teste

O indicador classifica as pessoas conforme o nível de alfabetismo com base em um teste aplicado a uma amostra representativa da população. Os níveis mais baixos, analfabeto e rudimentar, correspondem juntos ao analfabetismo funcional. O nível elementar é, sozinho, o alfabetismo elementar e, os níveis mais elevados, que são o intermediário e o proficiente, correspondem ao alfabetismo consolidado.

Seguindo a classificação, a maior parcela da população, 36%, está no nível elementar, o que significa que compreende textos médios, realiza pequenas interferências e resolve problemas envolvendo operações matemáticas básicas, como soma, subtração, divisão e multiplicação.

Outras 35% estão no patamar do alfabetismo consolidado, mas apenas 10% de toda a população brasileira está no topo, no nível proficiente.

Limitação grave

Segundo o coordenador da área de educação de jovens e adultos da Ação Educativa, uma das organizações responsáveis pelo indicador, Roberto Catelli, não ter domínio da leitura e escrita gera uma série de dificuldades e é “uma limitação muito grave”. Ele defende que são necessárias políticas públicas para garantir maior igualdade entre a população.

“Um resultado melhor só pode ser alcançado com políticas públicas significativas no campo da educação e também na redução das desigualdades e nas condições de vida da população”, disse.

A pesquisa mostra ainda que, mesmo entre as pessoas que estão trabalhando, a alfabetização é um problema: 27% dos trabalhadores do país são analfabetos funcionais, 34% atingem o nível elementar de alfabetismo e 40% têm níveis consolidados de alfabetismo.

Até mesmo entre aqueles com alto nível de escolaridade, com ensino superior ou mais, 12% são analfabetos funcionais. Outros 61% estão na outra ponta, no nível consolidado de alfabetização.

Desigualdades

Há também diferenças e desigualdades entre diferentes grupos da população. Entre os brancos, 28% são analfabetos funcionais e 41% estão no grupo de alfabetismo consolidado. Já entre a população negra, essas porcentagens são, respectivamente, 30% e 31%. Entre os amarelos e indígenas, 47% são analfabetos funcionais e a menor porcentagem, 19%, tem uma alfabetização consolidada.

Segundo a coordenadora do Observatório Fundação Itaú, Esmeralda Macana, entidade parceira na pesquisa, é preciso garantir educação de qualidade a toda a população para reverter esse quadro que considera preocupante. Ela defende ainda o aumento do ritmo e da abrangência das políticas públicas e ações:

“A gente vai precisar melhorar o ritmo de como estão acontecendo as coisas porque estamos já em um ambiente muito mais acelerado, em meio a tecnologias, à inteligência artificial”, diz. “Precisamos garantir que as crianças, os jovens, os adolescentes que estão ainda, inclusive, no ensino fundamental, possam ter o aprendizado adequado para a sua idade e tudo aquilo que é esperado dentro da educação básica”, acrescenta.

Ambiente digital

A edição 2024 adota um modelo “híbrido”, desenhado de modo a assegurar tanto a continuidade da série histórica de mais de duas décadas quanto permitir compreender como se manifestam as habilidades de leitura, escrita e matemática no contexto digital.

Pessoas com níveis mais altos de compreensão de leitura e escrita têm menos dificuldade para realizar tarefas no ambiente digital, como comprar um par de tênis online, trocar mensagens, enviar fotos ou preencher formulários na internet. Mesmo assim, entre aqueles considerados alfabetizados proficientes, quase a metade, 40%, apresenta médio ou baixo desempenho digital.

Para medir o alfabetismo digital, as pessoas foram convidadas a realizar algumas tarefas no celular, entre elas comprar um par de tênis a partir de um anúncio publicitário em uma rede social e se inscrever em um evento por meio de formulário online. Com base nas respostas foram classificadas em três níveis: baixo, médio ou alto.

Os resultados mostraram que quase todos os analfabetos, 95%, estão no nível baixo, ou seja, conseguem realizar apenas um número limitado de tarefas no contexto digital.

No nível elementar, a maioria, 67%, está no nível médio de alfabetismo digital. Para 17% dos alfabetizados nesse patamar, o ambiente digital ajuda em suas tarefas. Mas, para 18% dos alfabetizados em nível elementar, o digital traz, na verdade, desafios adicionais.

Segundo a coordenadora do Observatório Fundação Itaú, Esmeralda Macana, as habilidades digitais não são supérfluas, mas são importantes para que as pessoas estejam inseridas na sociedade.

“Para mim, foi um alerta de que a gente vai precisar fazer formações para que as pessoas se apropriem dessas formas mais tecnológicas, porque o mundo está cada vez mais digital. A gente já a serviços digitais como Pix, como marcar uma consulta médica. ar inclusive os programas de transferência de renda, de carteira de trabalho, documentos, identidade. Então, tudo é por meio digital. Se uma pessoa não tem essa habilidade para poder minimamente ter esse o, a políticas públicas inclusive, então, é muito preocupante”, diz.

Analfabetos funcionais

Conforme os resultados obtidos na avaliação de 2024 do Inaf, é possível afirmar sobre os analfabetos funcionais:

  • Representam 29% da população jovem e adulta brasileira, entre 15 e 64 anos.
  • 53% são homens e 47% são mulheres.
  • Quase dois em cada três (65%) têm entre 40 e 64 anos, mas há uma proporção ainda muito significativa entre os jovens de 15 e 29 anos e entre os que estão entre 30 e 39 anos, ambos com 17%.
  • 38% têm as séries iniciais do ensino fundamental como escolaridade mais elevada; 27% chegaram a concluir o ensino fundamental; 25% chegaram ao ensino médio e 9% ao ensino superior.
  • 58% dos analfabetos funcionais são pretos ou pardos, 39% brancos e 3% indígenas ou amarelos. Em 2018, essas proporções eram, respectivamente, de 67%, 24% e 4%.
  • Três em cada quatro (76%) têm renda familiar de até 2 salários-mínimos.
  • 60% estão ocupados.
  • 37% vivem na região Nordeste, onde a proporção de analfabetos funcionais sobre o total da população jovem e adulta chega a 42%. Apesar da proporção mais baixa (23%) em relação à população total da região, o Sudeste, por ser a região mais populosa, concentra 33% dos analfabetos funcionais. Nas regiões Norte e Centro-Oeste, a porcentagem é de 12% e, na região Sul, 18%.
  • 25% dos analfabetos funcionais vivem em pequenos municípios, de até 20.000 habitantes.
  • 73% aram a internet nos últimos 3 meses.
  • Quanto às habilidades digitais, 60% dos analfabetos funcionais ficaram no nível mais baixo de desempenho, demonstrando muita dificuldade para realizar tarefas da vida social que requeiram o uso de ferramentas digitais.

“Os dados do INAF 2024 evidenciam, mais uma vez, a profundidade das desigualdades educacionais no Brasil. É preocupante que ainda tenhamos 16% dos jovens entre 15 e 29 anos em situação de analfabetismo funcional, realidade ainda mais desafiadora entre adultos e a população preta e parda”, diz Rosalina Soares, Superintendente de Conhecimento da Fundação Roberto Marinho. “É urgente fortalecer políticas de inclusão educacional que desenvolvam a capacidade de ler e interpretar o mundo de forma crítica”, completa.

Alfabetizados em nível elementar

Conforme os resultados obtidos na avaliação de 2024 do Inaf, sobre o nível elementar de alfabetização:

  • São a maior parcela da população jovem e adulta brasileira, correspondendo a 36% do total de brasileiros entre 15 e 64 anos.
  • 54% são mulheres e 46% são homens.
  • Representam mais de um a cada três jovens entre os 15 e os 29 anos (36%), 25% daqueles que têm entre 30 e 39 anos, e 39% dos que têm 40 anos ou mais.
  • Mais da metade (56%) tem ensino médio (completo ou incompleto) e 18% chegaram, concluíram ou foram além do ensino superior.
  • Considerando a raça, 62% são pretos ou pardos e 36% são brancos.
  • 64% têm renda familiar de até 2 salários-mínimos.
  • 65% trabalham.
  • 95% aram a internet nos últimos 3 meses.

“Preocupa ver que aumentou a parcela de adolescentes e jovens de 15 a 29 anos que não superam o nível elementar de alfabetismo, mesmo quando completam a educação básica. Há, no Brasil, uma naturalização do fracasso escolar, fazendo com que parte da sociedade aceite que um perfil específico de estudante – em sua maioria negros e indígenas, com deficiência, vindos de famílias de renda mais baixa – e pela escola sem aprender. É urgente investir em estratégias voltadas à recuperação das aprendizagem, ao letramento digital, viabilizando que esses adolescentes e jovens desenvolvam competências e habilidades para se situar no mundo, fazer suas escolhas, aprender, ser feliz e ter uma transição positiva para o mundo do trabalho”, defende Mônica Dias Pinto, chefe de Educação do UNICEF no Brasil.

Alfabetizados em nível consolidado

O nível consolidado representa a junção dos níveis superiores da escala Inaf: intermediário e proficiente.

  • Representam 35% da população jovem e adulta brasileira, dos 15 aos 64 anos.
  • A proporção de homens (49%) e mulheres (51%) nesse grupo reflete a média da população brasileira nessa faixa etária.
  • Nesse grupo, há uma clara vantagem para os mais jovens. 42% deste grupo têm até 29 anos, uma proporção 10 pontos percentuais maior do que o peso dessa faixa etária na população como um todo.
  • É também esse o grupo em que fica mais evidente a relação da escolaridade com o alfabetismo: 48% têm ensino médio e 42% chegaram, concluíram ou foram além do ensino superior.
  • A presença de pessoas brancas nesse grupo (49%) é maior do que esse grupo representa na população (41%).
  • Este é também o grupo que tem a maior taxa de ocupação (74%) e a fatia com a maior faixa de renda, com 20% dos indivíduos ganhando mais do que 5 salários-mínimos e 35% entre 2 e 5 salários-mínimos,
  • Quase a metade (49%) dos alfabetizados em nível consolidado estão concentrados na região Sudeste, onde a proporção desse grupo sobre o total da população é de 40%. Já a região Nordeste, com 26% de sua população no nível consolidado de alfabetismo, representa 20% do total desse dos alfabetizados em nível consolidado.
  • 98% aram a internet nos últimos 3 meses.

“Mesmo entre os grupos com maior nível de alfabetismo, a nova edição do Inaf mostra que ainda há dificuldades para interpretar, avaliar e produzir informações – tanto no ambiente analógico quanto no digital. Em alguns casos, faltam habilidades básicas de leitura e compreensão; em outros, são as interfaces, linguagens e símbolos do mundo digital que geram barreiras ao entendimento”, afirma Raquel Souza dos Santos, coordenadora de Pesquisa e Avaliação do Instituto Unibanco.

“Compreender essas dificuldades é essencial para desenhar políticas públicas, organizar o mundo do trabalho e serviços públicos que garantam o real e seguro à população”, completa.

Indicador

O Inaf voltou a ser realizado depois de seis anos. Esta edição contou com a participação de 2.554 pessoas de 15 a 64 anos, que realizaram os testes entre dezembro de 2024 e fevereiro de 2025, em todas as regiões do país, para mapear as habilidades de leitura, escrita e matemática dos brasileiros. A margem de erro estimada varia entre dois e três pontos percentuais, a depender da faixa etária analisada, considerando um intervalo de confiança estimado de 95%.

O estudo foi coordenado pela Ação Educativa e pela consultoria Conhecimento Social. A edição de 2024 é correalizada pela Fundação Itaú em parceria com a ⁠Fundação Roberto Marinho, ⁠Instituto Unibanco, Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) e Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (Unesco).

Clique aqui para ver os resultados completos do Inaf 2024.

*Com informações da Agência Brasil.

[06/05/2025 10:30:00]