Números do mercado chinês apontam para crescimento exponencial de plataformas online nas vendas de livros
PublishNews, Guilherme Sobota, 20/06/2024
Canal de vendas online em plataformas de transmissões ao vivo (livestreams) e de vídeos curtos (como no Douyin, o TikTok na China) cresceram 70% em 2023; aspecto foi um dos debates centrais do Fórum Global do Livro Infantil 2024

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Harry Potter, sucesso antigo; ainda hoje, séries de livros tendem a funcionar melhor no mercado chinês | © BIBF
Harry Potter, sucesso antigo; ainda hoje, séries de livros tendem a funcionar melhor no mercado chinês | © BIBF
O Fórum Global do Livro Infantil 2024, realizado na Feira Internacional do Livro de Pequim nesta quinta-feira (20), apontou tendências de cooperação internacional para o mercado de livros infantis, uma das mais férteis oportunidades de negócio com o setor do livro na China. Entre as principais tendências, aparecem livros com propósitos educacionais, conteúdos lúdicos e próximos dos jogos e formatos inovadores de livros adaptados ao ritmo acelerado da vida digital.

Outro aspecto destacado no evento – e que se apresenta como uma forte tendência chinesa que pode conquistar espaço em outros mercados mundo afora – foi o crescimento exponencial do canal de vendas online em plataformas de transmissões ao vivo (livestreams) ou de vídeos curtos (como no Douyin, o TikTok na China). Esse crescimento ocorre, na China, em detrimento das livrarias físicas.

Karine Pansa, presidente da International Publishers Association (IPA) e diretora editorial da Girassol Brasil, destacou o trabalho da associação com a ONU nos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, iniciativa que criou o SDG Book Club nas línguas oficiais da Organização. Ela também destacou a tendência global nos livros infantis em retratar diversidades. “Isso é dar às crianças chances para descobrir e ter empatia com pessoas diferentes”, destacou.

“Um aspecto negativo que infelizmente vemos ao redor do mundo são editores sendo restringidos no que eles podem publicar. Livros infantis sendo removidos de bibliotecas, rotulados como obscenos ou inapropriados. Um dos compromissos da IPA é com a liberdade de publicação”, observou.

Ela também demonstrou preocupação com relatos de que ao redor do mundo os dados de leitura entre crianças apresentam quedas face a outras formas de entretenimento. “É grande o impacto no nosso setor. Crianças que não descobrem o prazer da leitura não serão leitores no futuro, ou pior, não desenvolverão habilidades de leitura que os transformem em leitores capazes de lidar com textos de forma crítica e analítica. Então o entusiasmo que mantenho pelo desenvolvimento criativo e sustentável, que vemos no setor dos livros infantis, é mediado por esse cenário geral em que é preciso manter as crianças lendo”, explicou.

Números e oportunidades na China

A diretora da Beijing OpenBook Co., Jiang Yanping, apresentou números do mercado chinês. O marketshare aproximado de livros infantis (voltados para leitores com menos de 18 anos) é de cerca de 30%, e dentro desse universo, a importância de obras de autores internacionais vem diminuindo, atingindo cerca de 36% dos títulos em 2023.

Um dos principais movimentos testemunhados pelo mercado chinês em geral, mas também no segmento para jovens leitores, é o crescimento acelerado (70% em 2023) de um canal de vendas de livros em particular: trata-se de vendas online em lives – ou seja, uma mistura de apresentação ao vivo com plataforma de venda direta. Essa modalidade também exerce uma pressão (para baixo) no preço dos livros e diversos profissionais envolvidos na Feira afirmam que essa tendência pode facilmente conquistar outros mercados. Diferentes formatos de e-commerce também estão em crescimento na China, incluindo as vendas pelo TikTok.

Aspecto visual das produções editoriais é muito valorizado localmente | © BIBF
Aspecto visual das produções editoriais é muito valorizado localmente | © BIBF
Esse aspecto também influencia no marketshare dos lançamentos. Desde 2020, há um crescimento consistente na fatia de livros lançados há menos de 12 meses, de 10% a 18%, em três anos. Isso no mercado de livros infantis.

“Algumas tendências que temos notado são livros de ciência para crianças, e livros com propósitos educacionais mais imediatos”, explicou. “Ou seja, com o crescimento das vendas online, entendemos que as tendências de compras se movimentam na direção da necessidade dos pais”.

A recente tendência de encolhimento da população chinesa também foi apontada como um aspecto que vai influenciar os tipos de livros que terão mais popularidade no futuro.

As transformações no cenário econômico e no mercado do livro impactam os negócios da DK, editora e empresa editorial britânica com negócios na Ásia há mais de 30 anos. “Estamos trabalhando com nossos parceiros na região para tentar focar em livrarias físicas, que são uma grande vitrine para o nosso trabalho”, comentou a diretora de vendas da DK para a Ásia, Caroline Purslow.

Forma x conteúdo

O roteirista americano Marc Handler, residente na China e consultor internacional do canal de animação da CCTV (rede de TV chinesa), explicou que existe uma janela de oportunidade para editoras e produtoras de conteúdo internacional, incluindo chinesas, para o mercado americano – mas cujo raciocínio pode ser aplicado em diferentes áreas.

“Hoje em dia, as editoras americanas publicam livros infantis com mensagens politicamente corretas, envolvendo sexualidades e ativismos. Mas há milhões e milhões de pais que não querem isso nos livros, querem apenas boas histórias sobre questões tradicionais, como família e amizade. Isso cria um ‘gap’, e nesse ‘gap’ existem oportunidades”, explicou.

Feira do Livro de Pequim reúne profissionais do livro de mais de 70 países na capital chinesa | © BIBF
Feira do Livro de Pequim reúne profissionais do livro de mais de 70 países na capital chinesa | © BIBF
Tomando como exemplo a indústria das novelas de TV (cuja produção, afirma, caiu drasticamente nos EUA), ele citou o crescimento de empresas que desenvolvem histórias audiovisuais dramáticas em formatos adaptados a uma linguagem mais contemporânea, ou seja, em formato vertical e vídeos curtos, para celular. São empresas como ReelShort, ShortMax, DramaBox, de origem chinesa mas que trabalham em conjunto com produtores de conteúdo norte-americanos.

“Então são esses dois aspectos: conteúdo e forma. O conteúdo é tradicional, são as mesmas histórias desde sempre. Mas o formato é diferente: é muito rápido, as pessoas estão assistindo nos seus celulares, os episódios duram até um minuto e meio, os pontos dramáticos se sucedem e é necessário atingir o conflito mais rapidamente”, exemplificou. “Isso se aplica também a livros para crianças – e editoras internacionais podem ocupar esse espaço porque há atualmente uma resistência entre as editoras americanas em produzir esse conteúdo mais tradicional”, afirmou.

Ele se mostrou entusiasmado com a possibilidade da produção de conteúdo editorial para crianças nesse formato vertical, voltado para a leitura no celular. “É importante salientar que não é ‘um ou outro’. Já sabemos que há espaço para formatos tradicionais e digitais conviverem em harmonia”, concluiu.

Dados gerais do mercado chinês segundo a OpenBook:

  • Em 2023, a avaliação de mercado – medida em receita de vendas a preço listados – chegou a 91,2 bilhões de yuan (US$ 12,6 bilhões).
  • O número total de títulos ativos, medido pelos ISBNs no mercado varejista geral, alcançou 2,37 milhões, um aumento de 1,55 %.
  • Mais de 180 mil novos títulos foram publicados no mercado chinês em 2023, representando um aumento de 7,3% em relação a 2022.

*O repórter viajou a convite da Feira Internacional do Livro de Pequim.

[20/06/2024 08:00:00]