Chantal Restivo-Alessi: 'dados são o petróleo da nossa era'
PublishNews, Guilherme Sobota, 14/05/2025
Diretora Digital e CEO de Línguas Estrangeiras Internacionais da HarperCollins Publishers é uma das convidados do Rio International Publishers Summit 2025; em entrevista, ela comenta o momento da indústria editorial global

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Chantal Restivo-Alessi, líder internacional da HarperCollins, vem ao Brasil em junho | © David Neff
Chantal Restivo-Alessi, líder internacional da HarperCollins, vem ao Brasil em junho | © David Neff
Chantal Restivo-Alessi é hoje um dos nomes mais influentes do mercado editorial internacional e presença constante em feiras e eventos literários ao redor do mundo. Diretora Digital e CEO de Línguas Estrangeiras Internacionais da HarperCollins Publishers, ela lidera a estratégia global da empresa, gerenciando relacionamentos comerciais e supervisionando o programa de publicação em diferentes países, inclusive o Brasil.

A executiva é uma das convidadas da segunda edição do Rio International Publishers Summit 2025, evento promovido pelo Sindicato Nacional dos Editores de Livros (SNEL) nas vésperas da próxima Bienal do Livro Rio. A editora participará do “Livros para ouvir: novos capítulos da narrativa em áudio pelo mundo”, no dia 12 de junho, ao lado de Amanda D’Acierno (Penguin Random House), José Alberto Parra García (Planeta) e Paulo Lemgruber (Audible).

A programação do Summit – organizada pelos curadores Flávia Bravin, Luiz Alvaro Salles Aguiar de Menezes e Martha Ribas – abordará ainda temas como inteligência artificial, mecanismos de incentivo à leitura e a importância da liderança feminina no setor. A agenda completa e as inscrições podem ser feitas clicando aqui.

Em entrevista ao PublishNews, Restivo-Alessi compartilha suas visões sobre o mercado brasileiro (que conta com uma “oportunidade saudável de crescimento”), sobre a expansão dos modelos de negócios digitais e sobre a importância de atrair jovens leitores para o livro. Com mais de 25 anos de experiência em gestão de empresas internacionais, a executiva afirma que, mesmo nos tempos incertos em que vivemos, é preciso que a indústria editorial se mantenha “firme nos princípios de servir aos autores e fazer com que consumidores tenham disponíveis tantas vozes quanto possível”.

PublishNews – O programa internacional da HarperCollins está completando 10 anos em 2025. Quais foram as principais transformações na indústria editorial neste período?

O mercado editorial, ao contrário do que as pessoas pensam, é uma indústria em constante evolução e continuamente em adaptação. Nos últimos 10 anos na HarperCollins, tive a honra de participar do ganho de escala global do negócio do e-book, da introdução de novos modelos de negócios digitais, como planos por e empréstimos por bibliotecas, do mais recente crescimento do áudio, da introdução dos e-commerce, do estabelecimento do marketing digital e do TikTok em particular, e claro, de uma maior presença editorial internacional entre todos os nossos principais concorrentes em língua inglesa – apenas para nomear algumas coisas.

PN – “Descentralização” é uma palavra que você já usou antes para descrever parte do seu trabalho. Como você trabalha com as diferentes unidades da HarperCollins ao redor do mundo? A empresa “irradia” dos EUA e do Reino Unido, ou é o contrário?

Mais do que a palavra “descentralizado”, gosto de “glocal” (global + local). Acredito que toda nossa produção local precisa ter sua criatividade editorial autônoma e conhecimento de mercado, mas ao mesmo tempo há um grande mérito em dividir as melhores práticas, e em produzir um efeito de rede de conectar pessoas e dividir experiências e conhecimentos. Há grandes ideias e inovações que podem vir de qualquer lugar. Ao mesmo tempo, o “centro” tem o dever de facilitar o compartilhamento de ideias, de ajudar a escalar soluções, e apoiar os negócios com todo tipo de investimento e recursos, pelo bem de toda a comunidade editorial.

PN – Com o crescimento exponencial das vendas digitais, como as editoras precisam trabalhar com dados para gerar mais oportunidades de negócios e não se perder no mar de informações?

Sim, dados são essenciais não apenas para o editorial, mas para todo tipo de negócio – é o petróleo da nossa era. Não apenas no digital, mas acho sim que o digital, seja marketing ou vendas, nos permite adquirir mais dados do que nunca e inclui-los nas nossas atividades editoriais. Além dos dados em si, há alguns outros elementos importantes: uma estrutura de dados clara para permitir insights; integração de novos recursos aos negócios para complementar habilidades editoriais e trazer novas experiências com dados, seja para marketing digital, ciência de dados ou insights; educação dos nossos atuais recursos editorias para fazer o uso de dados complementar experiência, habilidades e intuição, que ainda são cruciais para o nosso negócio; criação de uma cultura corporativa que apoie experimentação, análise e uso de dados.

PN – Inteligência artificial é um tópico em evidência em todos os eventos da indústria editorial global nos últimos anos. O que você espera da IA no futuro próximo?

Um grande impacto em todas as funções e níveis do nosso negócio, em termos de aplicações e ferramentas. Acredito que a IA vai se tornar uma parte integral de todos os negócios, não apenas o editorial, e isso requer que aprendamos novas habilidades. Ao mesmo tempo, é claro, há também desafios em termos de proteger valores de direitos autorais e o papel da criação humana. Tenho esperança de que união das indústrias criativas, bom senso e regulação consistente e legislação vão prevalecer.

PN – A pandemia teve seu início cinco anos atrás, e seus impactos ainda devem ser medidos de várias formas. Você já consegue pensar em aspectos da indústria editorial que foram permanentemente afetados por ela?

Foram muitos níveis. Do ponto de vista do consumo de livros, vimos um crescimento global. Foi bacana ver o início da expansão do áudio para um produto de massa, e o crescimento da leitura em jovens consumidores. Do ponto de vista do negócio, não teríamos a quantidade de trabalho remoto e híbrido que temos atualmente sem a pandemia. Também vimos um aumento nas comunicações internacionais virtuais de maneira geral. Para mim, se solidificou a habilidade de trabalhar com pessoas em qualquer lugar e gerenciar nossos times internacionais com alguma facilidade.

PN – Um dos seus projetos na empresa foi a plataforma própria de e-commerce. Qual é o lugar que esse projeto ocupa agora na empresa e como você enxerga a evolução dele ao longo do tempo?

Nossa plataforma de e-commerce é uma parte integral do serviço aos autores e de nossa promessa de alcançar consumidores na maior quantidade possível de caminhos e opções. Para ser bem sucedido no e-commerce, é preciso ter um catálogo de ofertas ou oportunidades exclusivas, e certamente temos isso na nossa divisão brasileira. É uma oferta complementar em relação aos nossos parceiros do varejo e reforça a visibilidade do nosso catálogo, em benefício dos parceiros e autores – ou seja, não vejo como uma competição com o varejo.

PN – Você mencionou em outra entrevista que uma das características do mercado brasileiro é uma atenção especial à beleza do produto impresso em si. Você pode comentar isso? Em comparação com outros países, você consegue dizer por que isso acontece? Não te parece um problema fazer um produto mais caro num país em que as condições de consumo de livros não é a ideal?

Acredito que estamos observando uma tendência geral que não é exclusiva do Brasil. Consumidores jovens realmente apreciam um objeto bonito, e o livro impresso certamente nos oferece oportunidades de criar belos produtos. Isso é verdade se falamos de bíblias, livros de romance ou marcas grandes como Agatha Christie ou Narnia. Tenho algumas hipóteses: consumidores jovens gostam do objeto bonito para mostrá-lo nas redes sociais; as pessoas gostam de exibir os produtos em suas bibliotecas; gostam de colecionar e presentear. Qualquer que seja a razão, não acredito que publicar livros bonitos esteja em conflito com preços mais em conta. O trabalho de um editor é auxiliar autores para maximizar as vendas e o alcance, e oferecer aos consumidores uma gama de escolhas é certamente uma parte disso.

PN – Ao mesmo tempo, você vê um potencial de crescimento para a indústria editorial no país, certo? Em que sentido?

Sim, penso que o Brasil ainda tem uma oportunidade saudável de crescimento. Isso porque o Brasil é um país jovem, onde a necessidade de educação e a paixão por leitura e letramento é alta. Editoras brasileiras fizeram um grande trabalho de cultivar a paixão dos consumidores por livros. Além disso, a presença de empresas como a Amazon, bem como empresas locais em diversos tipos de canais de vendas, apoia essa paixão. Estou muito satisfeita em ver a HarperCollins Brasil não apenas se beneficiar do crescimento do mercado, mas também de ter sido capaz de crescer substancialmente nos últimos 10 anos, sendo agora a quarta maior editora no mercado.

PN – Você já defendeu que a indústria editorial, especialmente as editoras, precisam trabalhar para atrair jovens leitores ao livro de maneira geral. Como profissionais do mercado editorial podem atuar nessa direção?

As editoras podem continuar a trabalhar próximo a instituições, escolas e bibliotecas para fazer livros íveis para jovens leitores. Estudos mostram que uma vez que a pessoa adquire o hábito da leitura, ele se mantém pela vida toda. Além disso, as editoras devem continuar a levar em conta interesses dos jovens ao criar livros, mas também aproveitar a oportunidade que os livros oferecem em termos de engajamento e criação de comunidades, algo de que os jovens consumidores gostam muito. Por fim, devemos continuar a explorar e engajar com todas as formas de contar histórias – e não se limitar ao formato tradicional do livro: estou pensando no áudio, mas também formas mais visuais de consumo, como histórias em quadrinhos.

PN – Qual você diria que é a principal preocupação para a indústria do livro atualmente?

Vivemos em tempos incertos, e acredito que manter-se firme nos nossos princípios de servir aos nossos autores e fazer com que consumidores tenham disponíveis tantas vozes quanto possível – seja da sua própria cultura ou de outros países. Essa é realmente uma das razões pela qual amo meu trabalho, ou seja, o fato de que na HarperCollins International facilitamos trocas culturais, aprendizados e entendimentos. Para mim, essa é a fundação de um futuro melhor, qualquer que seja a situação.

[14/05/2025 11:19:51]