Nesses anos de estrada por trás do balcão das letras, tenho acompanhado a evolução – e também a involução, em alguns casos – de vários segmentos relacionados à criação e difusão da nossa arte da palavra. 354q1z
Durante as últimas décadas, multiplicaram-se os eventos literários pelo país. Em todo canto existe uma Fli alguma coisa, com os mais variados graus de porte e qualidade. Há eventos maravilhosos e referenciais, como a minha querida Flipelô, que energiza o Pelourinho (quem não foi ainda, fica a dica para visitar Salvador no início de agosto), a bonita Flipoços e, claro, a Flip, mãe de todos esses formatos, cuja influência foi tanta que fez as bienais, voltadas para a venda de livros, a criarem programações culturais cada vez mais volumosas e diversas.
Entre os maiores eventos, há uma queixa recorrente por parte dos escritores de que a programação tem se tornado muito parecida, sempre com os nomes em evidência. Entendo essa operação: para conseguir captar recursos via Lei Rouanet, determinados eventos prometem que sua programação será abrilhantada (como se ouve esse termo em reuniões...) por celebridades. Conseguido o recurso, é possível pagar cachês maiores para chamar as pessoas mais renomadas, às vezes até “roubando” autores de outros eventos já anunciados. O resultado é que alguns eventos parecem mudar apenas o nome (após o Fli-) e o local, uma vez que os grandes nomes, sejam nacionais ou internacionais, são praticamente os mesmos. Como são celebridades, há muito público, então parece estar tudo bem. Mas não entre muitos autores, para quem esse esquema é preguiçoso e pouco preocupado em retratar, de fato, a diversidade da literatura brasileira.
Faço um balão aqui para entrar no assunto principal da coluna, que são as premiações literárias como porta de entrada na cena literária. Já escrevi sobre o assunto aqui, aqui e aqui. Gostaria de apontar para o fato de como determinados formatos de prêmios contribuem para, de forma democrática e criteriosa, irrigar várias etapas da cadeia produtiva do livro no Brasil.
Existem centenas de premiações literárias no Brasil, também de vários tipos e para os mais diferentes segmentos de escritores. Basta visitar o blog Concursos Literários aqui para se ter uma dimensão da oferta. Desse grande menu, quero destacar aqueles cujo objetivo é revelar autores inéditos por meio de uma seleção imparcial e publicá-los numa grande editora. Foi assim por 20 anos com o Prêmio Sesc, que revelou nomes como André de Leones, Luisa Geisler, Juliana Leite, Tobias Carvalho e tantos outros que tiveram esse primeiro grande empurrão na carreira e que mudaria as suas vidas radicalmente. Com os inúmeros tropeços da instituição, amplamente divulgados, a Record desistiu da parceria e o prêmio caiu em descrédito na área, mesmo porque seu novo edital tem uma censura escondida numa cláusula, segundo a qual a obra inscrita deverá ser voltada para “todos os públicos”, algo estranho de se definir, mas que certamente serve para evitar que obras como Outono de carne estranha, de Airton Souza, voltem a vencer o certame e incomodar as chefias.
De todo modo, as duas décadas de sucesso desse formato único deixaram claro que há muitos autores com grande potencial criativo no país. Devido às nossas dimensões continentais e a concentração de grandes editoras no cone Sul-Sudeste, para autores de diversos lugares ter uma obra publicada e distribuída parece um sonho distante. É claro que os prêmios, por conta do formato de seleção, não dão conta de toda a demanda, mas têm uma função simbólica de apresentar representantes das mais variadas localidades do país.
Quando a editora Pallas me convidou para criar um prêmio literário em função da comemoração dos seus 50 anos, recorri a esse modelo de selecionar alguém que nunca conseguiu publicar um romance para se tornar um/a autor/a da casa. Como a editora trabalha muito com a temática afrodescendente, optamos por direcionar o prêmio a pessoas autodeclaradas negras (pretas e pardas), para quem, infelizmente, o o a tudo no país é mais dificultado. Não sei ainda quem vencerá, mas desde já me comprometo a ajudar esse/a autor/a e sua obra o máximo possível, oferecendo uma tutoria sobre os processos de edição e da vida literária como um todo.
Para que não tenhamos só umas mesmas celebridades nos eventos literários, a fim de garantir público fácil e agradar patrocinadores, acredito que os prêmios podem ser grandes canais para descobrir e explicitar a pluralidade que temos no país. Aliás, juntar escritores conhecidos com iniciantes quase sempre rende bons debates nas festas literárias. Por isso é preciso que tenhamos cada vez mais prêmios com essa estratégia de descoberta e impulsionamento com a possibilidade de criação de uma carreira. De norte a sul temos muitas pessoas escrevendo grandes literaturas, precisando apenas que lhes abram os caminhos.
Henrique Rodrigues é diretor do Instituto Caminhos da Palavra, voltado para a promoção do livro, leitura e escrita. Com mais de duas décadas de experiência na área, é coordenador geral do Prêmio Caminhos de Literatura e curador do Prêmio Pallas de Literatura. Nascido no subúrbio do Rio de Janeiro, formou-se em Letras pela Uerj, cursou especialização em Jornalismo Cultural pela Uerj, mestrado e doutorado em Letras pela PUC-Rio. Já foi atendente de lanchonete, balconista de videolocadora, professor, superintendente pedagógico da Secretaria de Estado de Educação do RJ, coordenador pedagógico do programa Oi Kabum! e gestor de projetos literários no Sesc Nacional. Publicou 24 livros, entre poesia, infantil, conto, crônica, juvenil e romance, tendo sido finalista do Prêmio Jabuti duas vezes. É patrono de duas salas de leitura das escolas públicas onde estudou. www.caminhosdapalavra.com.br
** Os textos trazidos nessa coluna não refletem, necessariamente, a opinião do PublishNews.
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